Metanol: como a ciência pode ajudar em casos de intoxicação?
- Unitech Brasil
- há 21 minutos
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Pesquisadores e políticas públicas são cruciais para blindar o consumidor do risco

Casos aumentaram no país nos últimos meses, levando ao alerta da população e buscas científicas para o problema (Foto: Freepik)
O Brasil acendeu um alerta de saúde pública após o recente surto de intoxicação por metanol decorrente da ingestão de bebidas alcoólicas adulteradas. O número de notificações de casos subiu para 225, com 15 óbitos registrados (dos quais 13 estão sob investigação), segundo balanço do Ministério da Saúde divulgado no último domingo (5). A maior parte dos registros, incluindo as duas mortes confirmadas, concentra-se em São Paulo.
O risco iminente levou o Ministério da Saúde a anunciar, no sábado (4), a compra emergencial de 2.500 tratamentos de fomepizol, considerado o antídoto mais eficaz, de uma farmacêutica japonesa. O medicamento, sem produção nacional, será distribuído a centros de referência federais.
Em Minas Gerais, o Ministério Público (MPMG), o Procon e entidades como a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel/MG) alertaram a cadeia de fornecedores para que reforcem os mecanismos de controle, rastreabilidade e compliance na comercialização de bebidas. O MPMG ressalta, em nota, que cabe a toda a cadeia garantir que produtos disponibilizados ao mercado sejam seguros e que observem as normas de identidade, qualidade e registro.
Com o aumento dos casos, torna-se essencial entender como os álcoois atuam no organismo e de que forma a ciência pode colaborar nos tratamentos de intoxicação.
Metanol x etanol: a diferença entre o consumo e a toxicidade

Diferença na composição química faz com que determinados tipos de álcoois sejam mais ou menos tóxicos para o corpo humano (Foto: Freepik/Editada)
O perigo da adulteração reside em uma fraude que substitui o álcool comum (etanol) pelo álcool tóxico (metanol) nas bebidas. O professor Eduardo Mathias Richter, do Instituto de Química da Universidade Federal de Uberlândia (IQ/UFU), explica que a diferença na estrutura molecular é o que torna um álcool consumível e o outro extremamente tóxico. Enquanto o etanol (presente nas bebidas) tem dois átomos de carbono em sua molécula, o metanol tem apenas um. Essa pequena variação estrutural define o destino da substância no organismo.
Ao ser metabolizado pelo corpo, o etanol é transformado em acetato, uma substância que o organismo consegue processar normalmente, gerando energia. Já o metanol é convertido em formaldeído e, em seguida, em ácido fórmico, compostos altamente tóxicos que atacam o sistema nervoso, podendo causar cegueira, falência dos órgãos e, em último caso, a morte. “Mesmo parecidos quimicamente, esses álcoois se comportam de forma muito diferente dentro do corpo e, por isso, o etanol é usado em bebidas alcoólicas, enquanto o metanol nunca deve ser ingerido”, completa o professor.
Visualmente, ambos os álcoois são muito parecidos. “O consumidor não consegue identificar se há ou não metanol na bebida alcoólica apenas pelo paladar ou visualmente, uma vez que o sabor não se altera, já que o metanol não tem cor ou odor diferente”, explica Letícia Rocha Guidi, professora da Faculdade de Engenharia Química (Faequi/UFU).
Outro fator de risco é o tempo que os sintomas levam para aparecer. Tarciso Tadeu Miguel, docente do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICBIM/UFU) ressalta que, como o metanol leva um tempo para ser convertido em seus metabólitos tóxicos pelo fígado, os sintomas não aparecem no momento da ingestão e sim por volta de 12 a 18 horas depois, o que agrava ainda mais o problema.
Tratamento e Antídotos

Brasil não possui produção própria de fomepizol, antídoto mais eficaz para intoxicação de metanol (Foto: Freepik)
O tratamento da intoxicação por metanol passa por duas linhas de ação, como explica Tadeu Miguel:
Administração de etanol puro: “Se você der ao paciente uma quantidade elevada de etanol, ele vai competir com o metanol e se sobressair”, detalha. O etanol puro e farmacêutico se liga à enzima responsável pela metabolização (álcool desidrogenase), impedindo que ela transforme o metanol em seus produtos tóxicos.
Fomepizol: É o antídoto mais eficaz e age como um inibidor da mesma enzima, bloqueando a formação dos metabólitos. Em muitos casos, a hemodiálise é associada ao tratamento para filtrar o sangue e retirar rapidamente o metanol e seus metabólitos tóxicos do organismo antes que causem mais danos.
Porém, ainda com essas formas de tratamento, os recentes casos expõem falhas críticas no sistema de segurança alimentar e de saúde pública do país, desde a detecção da fraude até a resposta emergencial.
O método usado pelos laboratórios para analisar o metanol chama-se cromatografia a gás com detector de chamas (CG-FID). Guidi e Richter explicam que essa técnica é rápida, conseguindo identificar e medir a quantidade da substância tóxica em cerca de 10 a 12 minutos. Para fins de fiscalização, ela e a cromatografia gasosa acoplada a um espectrômetro de massa (GC-MS) são o padrão, sendo esse último método mais preciso.
No entanto, há um desafio logístico. Em Uberlândia (MG), esses aparelhos importados podem ser encontrados na UFU, como nos laboratórios do Instituto de Química, e nos laboratórios do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal (INC/PF). No entanto, devido à grande quantidade de bebidas alcoólicas consumidas, é pouco provável que todas as bebidas possam ser analisadas com esses equipamentos, seja pelo custo, pela demanda ou pela disponibilidade limitada.
Outro fator é que esses métodos de análise são restritos aos laboratórios, como destaca Guidi: “Essas técnicas não são passíveis de serem aplicadas in loco, no estabelecimento comercial. Por isso, é importante que sejam desenvolvidos kits comerciais rápidos e práticos para detecção do metanol, que possam ser usados com precisão e segurança fora dos laboratórios, ajudando assim a identificar a possibilidade de fraude de forma mais efetiva e evitar casos de intoxicação e óbitos”.
A indisponibilidade de antídotos no Brasil é uma falha de política pública. O fomepizol, mais recomendado, precisa ser importado. Desse modo, Tadeu Miguel ressalta que o tratamento com etanol passa a ser o mais rápido nos casos agudos recém-registrados.
Fiscalização e legislação: o desafio da clandestinidade

Casos registrados foram em bebidas destiladas, provavelmente adulteradas de forma clandestina (Foto: Freepik)
A produção e venda informal de bebidas são culturalmente toleradas em muitas regiões, em que as bebidas clandestinas podem custar menos, gerando uma resistência social à fiscalização. Para Guidi, “o desafio maior não é a falta de métodos para identificar a presença do metanol e sim a falta de fiscalização e controle efetivos por parte das autoridades responsáveis”.
Outros desafios incluem a falta de controle sobre a produção artesanal ou clandestina, insuficiência de recursos humanos para fiscalização, falta de compartilhamento ágil de dados entre vigilâncias sanitárias e ações de fiscalização esporádicas, geralmente realizadas apenas após surtos.
A docente é enfática ao destacar que não é apenas uma questão econômica, mas sim de saúde pública motivada por uma fraude. “Muito mais do que pensarmos apenas em novas técnicas para detectar o metanol em bebidas, precisamos ter uma fiscalização maior dos produtores dessas bebidas”, aponta.
E o que a ciência e as universidades podem fazer para ajudar?

UFU conta com grande acervo de equipamentos e laboratórios da área de Química (Foto: Alexandre Costa)
A boa notícia é que a ciência brasileira já está na corrida por soluções rápidas e acessíveis, demonstrando capacidade de inovação. Richter destaca o trabalho de pesquisadores em Química Analítica e Química Forense que desenvolveram métodos mais baratos e simples para detecção de produtos tóxicos.
A UFU e outras universidades brasileiras são peças-chave nesta estratégia. Guidi ressalta que os pesquisadores têm capacidade para ampliar os estudos dos métodos portáteis rápidos para que sejam realmente efetivos para triagem de bebidas contaminadas com metanol in loco. Vale lembrar que a UFU conta com cerca de 40 laboratórios no Instituto de Química e outros 40 na Faculdade de Engenharia Química, que podem contribuir significativamente no avanço dos estudos.
Os professores Robinson Sabino da Silva, do Instituto de Ciências Biomédicas (Icbim/UFU), e Murillo Guimarães Carneiro, da Faculdade de Computação (Facom/UFU), e pela doutoranda paquistanesa Faryal Khan, do Programa de Pós-Graduação em Imunologia e Parasitologia Aplicadas (PPGIPA/UFU), desenvolveram um método rápido, sustentável e ambientalmente seguro para identificação de metanol, com 100% de precisão.
Os cientistas testaram 323 amostras das bebidas destiladas uísque, vodca e gim, puras e com metanol adicionado por eles. Essas amostras foram colocadas no cristal de um sensor fotônico e escaneadas por meio de raios infravermelhos, em um processo que leva cerca de um minuto e não necessita de reagentes. O resultado gera um espectro, uma espécie de “assinatura” de cada componente.
Para fazer a detecção precisa do metanol, mesmo em concentrações baixas, os dados do sensor fotônico foram enviados para uma inteligência artificial (IA) não linear, capaz de capturar e processar dados complexos, chamada Máquina de Vetores de Suporte, treinada pela UFU para essa finalidade.
“Além disso, a universidade pode atuar através de projetos de extensão, na orientação e conscientização de produtores, comercializadores e consumidores em toda a cadeia produtiva de bebidas alcoólicas, a fim de ajudar na promoção da educação dos consumidores sobre os riscos do consumo de bebidas clandestinas e auxiliar e apoiar pequenos produtores na regularização dos seus negócios, reduzindo o mercado ilegal”, completa Guidi sobre a atuação da UFU.

Agência Intelecto, vinculada à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (Propp/UFU), depositou o pedido de patente da tecnologia desenvolvida pela UFU junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) (Foto: Marco Cavalcanti)
Outras instituições também têm atuado na área. Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ) desenvolveram uma forma simples, barata e rápida de medir a presença de metanol em biodiesel, mas que poderia ser adaptada para análise de bebidas. O novo método utiliza apenas um teste químico que muda de cor e uma foto tirada com a câmera de um celular para identificar e medir o metanol presente. Já pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e da Universidade Federal do Pará (UFPA) desenvolveram um método confiável para identificar e medir a presença de metanol na cachaça: um sistema portátil que utiliza reagentes químicos simples, aquecimento em forno comum e a câmera de um smartphone.
Além disso, com os casos recentes de intoxicação, pesquisadores da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) estão criando um canudo que contém uma substância química que muda de cor ao ter contato com o metanol.
O Hospital de Clínicas (HC-UFU/Ebserh) conta com estrutura para atender casos de média e alta complexidade, com equipes multidisciplinares para dar assistência a casos desse e demais tipos de intoxicação com atendimento inicial (como garantir as funções normais das vias aéreas e suporte ventilatório, monitorar sinais vitais, hidratação venosa adequada para manutenção de diurese), exames laboratoriais (como gasometria arterial, dosagem de eletrólitos séricos, osmolaridade sérica, dosagem de metanol plasmático), tratamento específicos (com ampolas de etanol farmacêutico) e medidas complementares (como correção de acidose, controle de convulsões, hemodiálise, entre outros). Todos os casos são atendidos e acompanhados através do Sistema Único de Saúde (SUS).
Fonte da matéria https://comunica.ufu.br/noticias/2025/10/metanol-como-ciencia-pode-ajudar-em-casos-de-intoxicacao#:~:text=O%20m%C3%A9todo%20usado%20pelos%20laborat%C3%B3rios,de%2010%20a%2012%20minutos.
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